Ele largou a Microsoft para ajudar os pobres
A história de John Wood, o superexecutivo que trocou uma carreira de sucesso pelo sonho de construir blibliotecas para crianças carentes
Kátia Mello
John Wood sempre gostou de ler. Ainda menino, na pequena cidade de Athens, na Pensilvânia, Estados Unidos, negociou secretamente com uma funcionária da biblioteca pública a retirada de 12 livros por semana – o máximo permitido eram oito. A dedicação aos estudos o ajudou a ter uma carreira de sucesso meteórico. Wood formou-se em Economia, fez MBA na prestigiosa Kellogg School of Management, em Chicago. Aos 35 anos, já era o segundo homem da poderosa Microsoft na China. Como diretor de planejamento da empresa, tinha altíssimo salário, carro conversível, apartamento luxuoso e cartão de crédito sem limite. Uma viagem ao Nepal o fez largar tudo em nome da paixão de infância pelas bibliotecas. Em 2000, Wood fundou uma organização não-governamental chamada Room to Read (Espaço para Leitura), que atende 1,2 milhão de crianças em 3.600 bibliotecas e construiu 287 escolas em sete países. O próprio ex-executivo descreve sua experiência no livro Saí da Microsoft para Mudar o Mundo (editora Sextante), que acaba de ser lançado no Brasil.
A guinada de vida começou com uma caminhada pelo Himalaia. Wood não tirava férias havia nove anos. Em 1998, depois de ver alguns slides sobre o Nepal na casa de um amigo, decidiu que merecia um descanso e embarcou em uma excursão de 18 dias. No primeiro acampamento, conheceu um educador nepalês chamado Pasupathi, que o convidou a visitar a escola de um vilarejo. Ao chegar lá, o americano pediu para ver a biblioteca. Os 20 livros estavam trancados a cadeado em um pequeno armário. Pior, não passavam de guias de viagem e romances picantes deixados por mochileiros, nada que contribuísse para a educação das 450 crianças daquela escola. “Fiquei chocado”, afirma ele. Wood disse que voltaria com livros infantis, promessa ouvida com desdém pelos professores, para quem ele nada mais era que um entre tantos estrangeiros por ali. Em 1999, exatamente um ano depois do trekking, Wood desembarcava no Nepal com 3 mil livros. Transportar todos da capital, Katmandu, para as longínquas escolas nas montanhas himalaicas exigiu oito iaques – uma espécie de touro asiático que suporta altitudes de até 6.000 metros. Quando a expedição chegou à primeira aldeia, um corredor de estudantes eufóricos a esperava. Meninos e meninas disputaram os livros aos gritos de alegria. Começava ali o fim da carreira do alto executivo da Microsoft.
Wood teve de voltar às pressas para Pequim porque Bill Gates, dono da Microsoft, faria uma visita à filial chinesa. Mas conta que já não conseguia pensar em mais nada a não ser criar bibliotecas. O conflito de deixar uma vida confortável e um bom saldo bancário em troca de ajudar crianças pobres tornou-se um zumbido diário em sua cabeça. Wood afirma ter recorrido aos conselhos do pai. Ouviu dele que deveria fazer o que sonhava. Wood, então, disse adeus a Bill Gates.
Wood usou o conhecimento acumulado em anos de Microsoft para se organizar e montar seu projeto. Ele não tinha a mínima idéia de como iniciar uma campanha para arrecadar fundos para projetos sociais. Também não tinha ph.D. em Educação. No começo, a inexperiência fez com que ouvisse sonoros “nãos” a seus pedidos de doações. Em um dos primeiros encontros com uma diretora de uma instituição filantrópica internacional, Wood, acostumado às portas abertas, teve uma gélida recepção. “Senti-me pequeno e insignificante”, diz ele. Turrão, cercou-se de especialistas e mergulhou em livros educativos. Procurou nos Estados Unidos grandes fundações que pudessem realizar doações com direito a dedução no Imposto de Renda. Aos poucos, várias entidades passaram a abraçar a idéia do economista e a desembolsar significativas quantias, inclusive da fundação do casal Bill e Melinda Gates.
Não bastava doar livros aos estudantes do Nepal. O empresário nepalês Dinesh Shrestha, que hoje preside a ONG no país, alertou Wood sobre a importância do envolvimento das comunidades. “Quando as pessoas se envolvem, se sentem mais responsáveis pelo projeto”, afirmou Shrestha. O nepalês sugeriu que Wood montasse uma organização tão funcional quanto uma grande empresa, com metas a cumprir. Por isso, desde o início, os programas educacionais da Room to Read passam por constantes avaliações. Os professores e bibliotecários participam de cursos e aprendem a controlar a freqüência dos alunos, o número de vezes que retiram livros e a avaliar o desempenho escolar.
O projeto deu tão certo que foi ampliado para o Vietnã, o Camboja, a Índia, o Sri Lanka e a África do Sul. Com o passar dos anos, Wood entendeu que os livros em inglês não eram suficientes. A organização se uniu aos autores da região para lançar livros infantis escritos em idiomas locais, em um contexto adequado à realidade das crianças. A Room to Read também passou a patrocinar bolsas de estudo para meninas – porque em países asiáticos como o Nepal e o Camboja os pais priorizam a educação dos meninos. “É importante que as meninas estudem, porque elas serão mães e responsáveis pela educação de seus filhos”, diz Wood. “Era a minha mãe quem lia livros para mim quando eu era pequeno.”
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